DOIS ANOS DO MASSACRE ÀS ESCOLAS DE ARACRUZ-ES
NOTA DE SOLIDARIEDADE ÀS VÍTIMAS, AOS FAMILIARES E TODA A COMUNIDADE ESCOLAR, E HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS FATAIS DO MASSACRE.
Hoje, 25 de novembro de 2024, completam dois anos do massacre às escolas de Aracruz, que vitimou fatalmente Flávia Amboss Merçon Leonardo (36 anos), Cybelle Passos Bezerra Lara (45 anos), Maria da Penha de Melo Banhos (48 anos), professoras da Escola Primo Bitti, e também Selena Sagrillo (12 anos), estudante do 6o. ano do Centro Educacional Praia de Coqueiral, deixando outras 12 pessoas feridas, familiares devastados e toda a comunidade escolar profundamente abalada.
O Departamento de Ciências Sociais (DCSO) e o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PGCS), da Universidade Federal do Espírito Santo, vêm reiterar publicamente o seu repúdio contra esse crime violento e misógino e se solidarizar com as vítimas sobreviventes, os familiares e toda comunidade escolar. Vimos também prestar homenagem às quatro vítimas fatais do massacre, dentre elas está a nossa querida ex-aluna Flávia Amboss Merçon Leonardo, Cientista Social exemplar e militante dos direitos dos povos atingidos pelo crime-desastre na bacia do Rio Doce. O DCSO e o PGCS prestam homenagem e ressaltam a importância intelectual e política das pesquisas e dos trabalhos realizados por Flávia Amboss. Ela que acompanhou e estudou de perto, inclusive como moradora atingida, a chegada da lama tóxica de rejeitos na foz do Rio Doce, em Regência Augusta, e a repercussão do crime no cotidiano e na vida das pessoas locais. A sua sensibilidade como pesquisadora expunha os meandros das disputas e dos conflitos sociais em curso, sempre por meio de uma abordagem crítica, a partir da perspectiva ecopolítica, no contrapelo da história. Seu legado, sua integridade e ética continuam a nos inspirar nas lutas por justiça e pelos direitos dos povos vulnerabilizados e excluídos pela história oficial.
Flávia tinha um compromisso: o enfrentamento das desigualdades sociais. Como Cientista Social e professora sabia dos perigos da banalização do mal e da ascensão da extrema-direita no âmbito da política representativa, sobretudo em um país como o Brasil, com uma herança escravocrata, racista, patriarcal, desigual e, principalmente, violenta contra os povos originários e as populações tradicionais. Flávia, Cybelle, Maria da Penha e Selena foram vítimas de um projeto necropolítico pautado no ódio, no agravamento das injustiças sociais e ambientais, na desinformação intencional e disseminação de ideologias, dentre outros fenômenos, que promovem riscos aos direitos democráticos. As três professoras e a estudante foram mortas no bojo dessa atmosfera de intolerância. O crime foi perpetrado por um jovem (ex-aluno da Escola Primo Bitti) integrante de grupos online supremacistas, trajando símbolos nazistas e manuseando com desenvoltura duas armas, sendo uma delas de propriedade do estado, pertencente ao próprio pai, um policial militar.
O crime contra as três mulheres e uma menina aconteceu no Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher, dia 25 de novembro, reconhecido pela ONU desde 1999. Dia histórico de luta contra o patriarcado, o feminicídio e a misoginia. O crime soa como uma afronta à remissão simbólica da data e reforça o ato misógino como um ato de ódio.
Estamos no espaço da universidade pública e sabemos que seu papel é de lutar pela educação, em prol da vida, contra a violência e qualquer forma de discriminação de raça, gênero, religião e orientação sexual, preconizando a justiça social. Nossa tarefa política de todo o dia, enquanto cientistas sociais, cidadãos, professores e professoras, é reivindicar outros projetos de sociedade e de mundo que não pactuem com o ódio, a misoginia, o racismo, a xenofobia, o capacitismo, a homofobia, ou seja, nosso papel é colaborar com a produção de um pensamento crítico e sensível, em defesa da ciência, em prol de ações e práticas que garantam a justiça, o respeito e a convivência entre as diferenças, sob o princípio da ética e do reconhecimento.
É também papel da universidade lutar e buscar apoio na sociedade para construir mecanismos contra a ideologia de grupos políticos ou religiosos que se sentem ameaçados pelo conhecimento científico e que preferem o obscurantismo como explicação do mundo e com isso apelam para a desinformação. Há uma indústria da desinformação comprometida com os ideais da extrema-direita, fortemente financiada por interesses econômicos, e que está conseguindo consolidar valores morais e ideológicos junto a adolescentes de todas as classes sociais, cores, etnias e gêneros. Neste sentido, precisamos nos manter atentos e unidos, fortes e com coragem, para não permitirmos que crimes de ódio como esse aconteçam e sejam tratados como impunes pelas autoridades. Que as instituições judiciais e políticas possam dar prosseguimento à reparação desse dano que afeta toda a sociedade, não se curvando às ameaças e conveniências das posições de poder.
Toda a nossa solidariedade às pessoas atingidas e afetadas pelo ato bárbaro do massacre às escolas de Aracruz. E a nossa homenagem à Flávia, Cybelle, Maria da Penha e Selena, vítimas desse crime.
Flávia, Cybelle, Maria da Penha e Selena: presentes, sempre presentes!