Criminalização da pobreza e policiamento dos problemas sociais: uma análise da gestão urbana estatal no Espírito Santo – Brasil (2011-2021)

Resumo: Este projeto de pesquisa tem por objetivo analisar as modalidades de gestão urbana vigentes no território capixaba através das ações implementadas pelo governo do estado do Espírito Santo desde o início da última década (2011-2021).
A partir da análise dos documentos que alicerçam a implementação do Programa Estado Presente (2011-2014) e, mais recentemente, do Plano de Segurança Pública e Defesa Social 2019-2022 (que integra o atual Programa Estado Presente em Defesa da Vida), partimos da hipótese de que estas ações se caracterizam por processos de criminalização da pobreza que se dão, em maior ou menor medida, através do controle, via policiamento, dos problemas sociais.
Das e Poole (2004) partem da perspectiva de que o Estado (ou as regras instituídas e institucionalmente garantidas) se produz na mesma medida em que se produzem suas margens. Ao mesmo tempo, a integração social é um processo, não um estado ou condição, e pode envolver tanto formas coercitivas de controle social quanto formas de regulação da convivência adotadas por negociação/aceitação.
Esses instrumentos governamentais, que articulam um conjunto de programas sociais, partem de uma contextualização histórica dos conflitos sobre os quais visam intervir, a criminalidade violenta sendo percebida como problema derivado dos processos de desenvolvimento do ES desde a segunda metade do século XX, efeito da urbanização intensa que se consolida com a metropolização da região no entorno da capital e da “ausência do Estado” (assim como aponta MACHADO DA SILVA, 2010 em seus estudos sobre a capital carioca).
O Programa Estado Presente (PEP) foi implementado no estado do Espírito Santo entre os anos 2011 e 2014, ao longo do primeiro mandato de Renato Casagrande como governador, e se lança em resposta fato “da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) ter se tornado, a partir da década de setenta, um polo atrativo de investimentos sem que tivesse recebido, ao mesmo tempo, investimentos voltados para a segurança pública e defesa social”, se justificando, portanto, como iniciativa que visa sanar essa carência e os efeitos que lhe foram decorrentes (FAJARDO, BARRETO E FIGUEIREDO, 2014, p. 3). Instituído sob um modelo de gestão que “é baseado em indicadores e metas que permitem ao governo mensurar os resultados dos projetos e ações”, assume como foco de intervenções o combate e prevenção à violência urbana (GOV/ES, 2021a), apesar de reconhecer que ela é efeito das desigualdades sociais intensificadas ao longo do processo de reorganização social local.
Cerqueira et al (2019) destacam que o Programa Estado Presente está orientado para a redução do número de crimes letais. Avaliando os efeitos da sua primeira fase, os autores analisam o seu impacto anual estimado no número de homicídios no Espírito Santo, apontando para uma “reversão da tendência de crescimento dos homicídios, acompanhada de acelerada redução da criminalidade violenta” (CERQUEIRA et al, 2019). Observam-se indicativos favoráveis, portanto, que atestam a efetividade das ações empreendidas e o cumprimento com seus objetivos, ao menos no que se refere às ações de combate ao crime violento, relativas ao Eixo Proteção Policial e Social do programa. São analisados nesse estudo exclusivamente o território objeto de intervenção pelo programa, em comparativo que leva em consideração os números anteriores e durante a sua atividade, sem que sejam realizados comparativos com as demais áreas da cidade.
Na transição entre o governo de Casagrande e o governo Paulo Hartung, que assumirá o executivo estadual entre os anos de 2015 e 2018, o Programa Estado Presente será suspenso e é criado o Programa Ocupação Social (POS), vigente até a atualidade. “Coordenado pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), o programa tem como principal objetivo a promoção de uma rede de oportunidades de educação, de empreendedorismo e de renda para jovens com maior exposição à violência” (GOV/ES, 2021c). Apesar de se apresentar publicamente como uma política que coloca em questão o controle do estado via policiamento do território e destacando não se tratar de um programa de segurança pública, o Programa Ocupação Social apresenta como objetivo geral reduzir a taxa de homicídios de jovens de 15 a 24 anos no Estado, esperando, como resultados intermediários, alcançar a diminuição do abandono escolar e o aumento da empregabilidade do público-alvo.
Apesar da diferença em termos de abordagem, integração e escopo das ações entre ambos os projetos, algumas semelhanças já nos chamam particular atenção: a) ambos assumem como objetivo a redução das taxas de homicídio, via presença do estado; b) ambos contam com a articulação entre o poder público e as empresas privadas em função do financiamento e da execução dos projetos, operando através da transferência de recursos públicos e c) ambos avaliam seus resultados a partir dos índices pré-estabelecidos internamente como referenciais à sua própria elaboração, se eximindo da responsabilidade de refletir sobre a real efetividade das propostas no tratamento dos problemas que as justificam, em consonância com uma governança por objetivos (THÉVENOT, 2019).
Enquanto o PEP envolve ações coordenadas entre práticas de repressão da criminalidade, via policiamento, e a presença institucionalizada do estado em ações sociais no interior dos bairros que apresentam os piores índices de homicídio, o POS se volta exclusivamente para a oferta de ações direcionadas a um público cujo perfil socioeconômico corresponde aquele dos “criminosos” em potencial. Ambos intervêm sobre os pobres, exclusivamente, visando a resolução dos “problemas de segurança pública” via repressão e/ou apaziguamento dos conflitos, sem sequer tratar a pobreza como questão social / objeto de intervenção efetiva.
Podemos observar, com base na pesquisa exploratória que alicerça esse projeto, como o PEP, o POS e o Programa Estado Presente em Defesa da Vida 2019-2021 (em fase de implementação) se justificam através da pressuposição de que o crime e, sobretudo, a criminalidade violenta são fenômenos decorrentes das desigualdades sociais e que refletem a ineficácia da ação do estado. Temos por objetivo avaliar o caráter dessas políticas de gestão em sua fundamentação lógica, nos efeitos das ações implementadas e sobre os imaginários sociais locais, cabendo uma avaliação da articulação entre as ações do POC e a política de segurança pública vigente ao longo do mesmo período. Para tanto, serão acionados como recursos analíticos a pesquisa documental e de indicadores que nos permitam avaliar os impactos dos programas sociais que os integram. Interessa-nos ainda analisar o conhecimento acerca do problema segurança pública veiculado pelos jornais locais de maior circulação no estado do Espírito Santo, em suas reportagens, e através relatos dos moradores das cidades da Região Metropolitana da Grande Vitória, veiculados pelos jornais. Neste sentido, cabe-nos compreender os processos através dos quais essas ações interventivas se efetivam nos imaginários sociais locais, através da análise dos jornais e de relatos da população. Esse segundo eixo centra-se no mapeamento das contingências das relações de força entre os diferentes segmentos e atores que se defrontam contextualmente e nas diversas formas através das quais as regras instituídas e institucionalmente garantidas são, em situação, interpretadas, aceitas, evitadas, contornadas, confrontadas, etc.

Data de início: 2021-07-01
Prazo (meses): 26

Participantes:

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Coordenador Manuela Vieira Blanc
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